Ele pediu que eu fechasse os olhos. Fechei e vi margaridas,
um céu cor laranja e a grama verde musgo. Depois, me pediu que eu abrisse os olhos,
novamente. Eu abri. Pude me ver clara, em reflexo. Admirada quase sem saber...
mas eu de fato, não sabia. Nós mal sabiamos, mas sempre soubemos. Em alguma das
pontadas de felicidade quando um de nós aparecia para o outro, em risadas
compartilhadas, em piadas fora de hora... ali estavam os sinais, escondidos. E
de nós.
- Oi – cheguei, sorri e parei.
- Oi!
Silêncio.
- Então... – ele e suas habilidades em romper o silêncio –
você está bem? Quero dizer... que cara é essa?
- Nada de importante.
- Claro.
- É sério.
- Claro.
- Ok, é o Brad.
- Eu sabia. Pode falar.
- Ele é um babaca.
- E quem não sabe disso?
- Você me acha ingênua?
- Você é tanta esperança que acaba afetando as outras
pessoas... isso é ruim, quando se trata do babacão. Mas ignora... como eu
ignoro tudo.
- Você não me ignora – disse tão rápido que nem deu tempo de
voltar.
- Devo ser maluco.
Nos olhamos e rimos um do outro.
- Mas e aí... você gosta dele, que eu sei. Que bonitinho! –
mais uma daquelas risadas irônicas de graça e antes do jantar.
- Na verdade, não. Acho que gosto da imagem que criei
dele... não do real. Babacas não são peça rara no mercado, acredite em mim.
- Confusão? Maluquisse?
- Você pode me deixar em paz?
- Parei, irritadinha.
- Não estou irritada.
- Não? Então prepare-se...
- Lá vem você de novo... posso deixar um ônibus me
arrebentar?
- Para de falar besteira e deixa eu te ajudar a atravessar a
rua, antes que você faça a maluca. Preciso de alguém para rir até chegar em
casa, combinado?
- Isso... ria bastante da desgraça alheia.
- Pode deixar.
- Ok.
- Ok.
- E você?
- Eu o quê, garota?
- Seu coração só bate?
- Pelo jeito só.
- Que simples.
- Que normal.
- Mas falando sério... e a sua ex? Ela te ligou depois da
discussão digna de novela mexicana?
- Ela é uma fresca. Nunca gostou de mim e que se... deixa
pra lá.
- Trágico.
- Lamentável, mas nada que umas latas não resolvam.
- Nada que um penhasco não resolva.
- Suicida.
- Bêbado.
- Steve?
- Fala.
- Acho que tem algo no meu olho. Socorro? – pressionei os
dois olhos como se fosse resolver o meu problema. Inútil.
- Mas é muito azarada mesmo, não é? Só eu para te salvar
nessas horas... vamos lá. Feche os olhos.
Quando ele pediu que eu fechasse os olhos, não hesitei. De
olhos fechados, pude sentir as duas mãos de Steve sobre meu rosto. Na verdade,
era como se ele estivesse segurando-o. Pude sentir também, aroma de hortelã e
licor. Meu favorito.
Por que Steve estava tão perto de mim e em silêncio? Esse momento
seria perfeito para mais uma de suas piadas. Daquelas que me fazem querer
arrancar os cabelos de tanto rir, sabe? Mas não. Ele ficou imóvel e em
silêncio. Provavelmente, analisando o meu problema. Ou, simplesmente, me
analisando. Mas por que?
Enquanto ignorava as hipóteses constragedoras, pensei em
alguma situação aleatória. De cara, me encontrei com nove anos de novo e em um
campo familiar e cheio de margaridas. Provavelmente, nostalgiar seria uma ótima
saída para fugir da situação constrangedora.
Quando Steve pediu que eu abrisse os olhos, deparei-me com
seus olhos iluminados pelo pôr-do-sol. Me vi dentro deles: cabelo desarrumado,
pele manchada e feição confusa. Será que ele só queria rir de mim mais de
perto?
Ficamos parados ali por um tempo que não consegui
determinar.
- Consigo enxergar melhor. Valeu... te vejo amanhã?
- Claro, filha. Claro.
Tensos, nos despedimos. No caminho e separados, tive vontade
de conferir Steve indo. Será que ele virou? Será que ele pensou alguma coisa?
Será que... ?
Não pode ser.
2 comentários:
Amei seu blog, esse texto é lindo. Nossa que jeito lindo de se olhar.
Beijos
Esse texto me fez viajar e fez parecer que eu também estava dentro da história presenciando tudo. Fiquei com gostinho de quero mais! haha *-*
Beijos.
www.achadoseperdidos.blogspot.com.br
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