19 de agosto de 2014

Amor de metrô


É assim que funciona: evito a escada rolante, faço exercício descendo lentamente degrau por degrau. O resto das pessoas preguiçosas vão se aglomerando, uma por uma e de repente, todas em um espaço único, mínimo. Eu diria carência, mas é só pressa. E a pressa é um mal a qual não estou disponível. Acordo mais cedo para não ter que correr e mesmo assim, ainda tem gente fazendo apostas, cruzando os dedos para ver quem consegue lugar ou não.

Meu nome é Kevin, e na firma eu sou o estagiário. Classe sofredora, eu sei. Sempre tiro umas histórias engraçadas, então não é de todo ruim. São cinco da matina e ainda estou descendo as escadas em direção ao metrô. Lugar interessante, com pessoas interessantes. Eu que mal posso escrever com letra descente, escreveria um livro sobre as peculiaridades daqui. Sobre o silêncio do sono e o sono das interações.

Um mar de pessoas, mas um mar calmo. Nada em dia de tempestade. Só um monte de água parada, branda e egoísta. Ninguém aqui se importa muito com os "olás". São todos robôs Star Wars cumprindo com sua programação. Mentes controladas por relógios e patrões rabugentos com super poderes cruéis, um deles, o de descontar do salário. Esse dói no bolso e bem doído!

Passo cartão. Rodo a roleta. Passo, passo, passo, paro. Anúncio da parede. Continuo. Passo, passo, passo. Não tem pra onde correr. Escada rolante, lá vou eu. Fones de ouvido. The Script.

Central do Brasil. Placas, máquina de salgadinhos que não funciona e é espancada todo santo dia. Bolsas pesadas, uniformes devidamente passados e coques no alto da cabeça. Idiomas que eu desconhecia até o presente momento e eu. Aleatório. Moletom preto, jeans e vans. Fora o óculos e o cabelo desgrenhado. Se minha mãe ainda morasse comigo, faria eu voltar da porta e vestir algo mais "coxinha".

Tentei mirar algum rosto conhecido, mas é impressionante o quanto esse mundão é pequeno e mesmo assim, ainda cabe mais uma personalidade a ser descoberta. Eu me surpreendo até com o silêncio e me refugio em mais música, no meu espaço e afastado da faixa amarela. Sem zoações, mas tenho medo de ser empurrado por algum retardado.

Assisto jornal, né. Cresci.

Passa um lotado e para. Fico parado também, encarando e abismado com todas aquelas pessoas se espremendo dentro dos vagões como se fossem massinhas de modelar do meu irmão caçula. Ninguém vai ficar menor, ou dar espaço para o outro. Isso é fisicamente impossível. Será que eles nunca viram isso em Física I? Meu professor teria feito um gesto francês e dito "tolice", depois de gargalhar da ignorância alheia.

Eu só fiquei assustado. Parado e, de repente, sozinho.

Um minutos, dois, três e mais algumas pessoas começam a aparecer, parar em frente ao espelho, ajeitar o cabelo ou admirar a silhueta. Fiquei intrigado com aquilo e tentei fazer o mesmo. Tudo o que vi era o que eu evitava no espelho do banheiro ao me barbear. Inevitável ser o que sou.

Mais vagões chegam e para minha sorte, vazios.

Como todas as crianças, gosto de sentar próximo a janela. O fluxo de pessoas entrando e saindo dos vagões, fora as pessoas que vagam pelas estações esperando não sei o quê me deixa maravilhado. Não sei como escolhi exatas, se sou tão humano, mesmo na minha. Só observando. E cantando baixinho, parecendo um idiota para o resto das pessoas indispostas até para ouvirem algo.

Portas se abrem, bocejo e... espera! Uma garota. Pera! Quantos anos eu tenho mesmo? Uma mulher e não é como as mulheres que costumo ver pela manhã. Cachos caídos até a altura dos cotovelos, morena pálida com saia até os joelhos e uma blusa branca. Converse legal!

Espera! Ela olhou pra mim. Desvia o olhar idiota, anda logo! Tento olhar pra janela, mas ainda sim vejo o reflexo dela. Séria, agora domando todos aqueles cachos em um coque desajeitado. Sexy, mas não como aquelas garotas daqueles sites. Sabem? Claro que sabem. Tudo o que eu podia ver eram tornozelos e braços. Fora o pescoço e as bochechas corando, ao me notar espiando novamente.

Merda! Retardado. Volta pra janela. Aumentei o volume da música para não pensar no quanto eu estava parecendo uma psicopata caçando por uma nova presa. No reflexo, a vi cantando sem música, sem fone. Quase que baixinho. Quase, porque eu podia ouvi-la perfeitamente. Doce. Sozinha, e notada. Uma figura aleatória, assim como... eu?


Continua...

3 comentários:

Unknown disse...

quero continuação, livro, trilogia, filme e dvd de backstage.

Anônimo disse...

Que incrível!!!
Também quero continuação! <3

Beijosss

Thiago Banik disse...

Quero a continuação!

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