27 de novembro de 2015

Lavanda

Foto: Eva.

O que acontece ou deixa de acontecer depois que o fim chega e pronto? Os questionamentos sobre o deixar de ser da existência também desaparecem, junto com a vontade de ver o que tem do outro lado? Não há mais frestas, nem espiadelas inocentes que só almejam o novo, assim como um dia eu o fiz? Foi muito tempo parada, esperando que acontecimentos ou vários pontos finais pudessem me mover, assim como minhas emoções e sensações tem feito desde que nasci. E nesse meio tempo, de fim e ponto, que continuei remando, dentro de um barco que construí com toda a garra herdada, com espírito e vontade de começar de novo por onde quer que fosse, a explorar as novas possibilidades que o término de algo havia me possibilitado.

Antes de embarcar nessa nova jornada, fiz questão de tirar a poeira de tudo que houvera acontecido nos últimos anos. Eu nem me lembrava que no mundo havia tanto espaço para lembranças boas e ruins. Muitas pessoas teimam em jogar as "não tão boas" fora, ignorá-las como se nunca tivessem um propósito genuíno, inclusive de servir como bússola. Afinal, não existem os caminhos certos, muito menos os errados. Só existe um caminho, que é seu por direito, mesmo que fique a sua esquerda. Limpei cada uma delas, sorri e de vez em quando, sentia uma pontada no peito. Era um alerta que não devia ser ignorado! Empilhei tudo, coloquei numa caixa e escrevi "não se esqueça das coisas que te trouxeram até aqui. Elas estão bem aqui, presas, mas você não". Fechei tudo e só depois de colocar a caixa em um lugar seguro, percebi que tinha achado a coragem de lidar com o passado. O que estava feito, estava e eu pronta, pra seguir em frente e ponto.

Desde a última vez que me vi, não lembrava de minha própria silhueta. Apesar da existência de vários espelhos espalhados pelo mundo, eu não conseguia enxergar com todas as letras o que em mim, não havia em qualquer outro lugar: cabelos da superfície e do fundo do mar, hora bem, noutra bem revoltos. Olhos enormes, assim como um sorriso que minha mãe dizia ser a luz em casa. Pernas, braços e tronco como deveriam ser. E apesar das revistas de moda ditarem sei-lá-o-quê, eu sou. Muito prazer!

A escolha foi feita e eu me joguei em mim. Mergulhei na imensidão do meu ser, e brindei o meu próprio silêncio. Busca infinita pela purificação, um reset que não temos na vida para estar preparada para o que viesse pela frente, fosse estrada ou trilha. Precisava estar em paz comigo mesma, para então, me mover. Sacudir a poeira, como vocês dizem. Na verdade, eu estava me livrando dela! Limpando cada centímetro da alma, mais que do corpo que era só uma capa, única. Minha e própria, apropriada para qualquer ocasião. Eu já me tornara a cara do mundo, sem nem ter cruzado o país.

Renovada pela esperança de, agora, cair no mundo em cada cidadezinha ou história de alguém e de cada vez, vesti a mesma capa, tendo o mesmo coração em mãos, decidindo quem toma, quem leva, quem cuida e quem arranha, destrói. "Ó, bem mais precioso o coração!", eles dizem. Mas minhas pernas aindam sentem, meus braços ainda abraçam e os olhos ainda amam, mesmo enganados pela própria realidade do ser que pode ser a farsa, inerente. Amendrontador, mas tentador. Não o risco de me machucar mais uma vez, mas sim a ciência de que eu faria tudo de novo: arrumaria a casa, tomaria banho e usaria o mesmo perfume que minha avó deixava repousado na penteadeira. Pentearia os cabelos, mesmo deixando com que eles fizessem o seu caminho em cachos e mechas escorregadias. Enfim, eu não teria mais medo do fim e nem de estar curada, livre do que um dia foi dor e hoje, é flor.

2 comentários:

Anônimo disse...

Sem palavras para esse texto, muito bem escrito.
Só digo uma coisa, de carioca para carioca: SUCESSO !


Beijos

@IzyCastelano disse...

Continua sendo a melhor escritora que eu conheço!!!

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