1 de maio de 2013

Lá de cima do apartamento

Candy House

Eu estava lá: bem. Jogada na poltrona com cheiro de hortelã e vinho derramado, encarei meus pés até quando deu. Bateu aquela vontade de ligar para a pedicure extravagante do terceiro andar, mas não economizei e deu no que deu. Na verdade, não deu: não paguei a conta do telefone e mal dá para fazer aquela ligação. Se me ligarem, vai que é milagre.

Vai que lembram de mim antes da novela das oito.

Um pouco irritada com minhas unhas por fazer, voltei a encarar a janela sem cortinas da minha cobertura. Ai de você se pensar que vivo como uma socialite excêntrica e surtada. Só deu para ser a cobertura, porque nenhum hóspede estava disposto a subir com bolsas de mercado até o último andar. Preguiçosos. Mas até que a vista é legal: vizinho musculoso, com cabelos molhados e que adora andar de toalha, mas que convida outros caras para jantar. A vista legal foi até o "andar de toalha" e só.

Quando a coisa começa a esquentar e eu não estou falando do meu jantar, vulgo miojo, faço uma careta e olho para outra janela. Daqui de cima, dá até para ouvir a voz de Cícero ecoando pela janela do segundo andar do prédio azul, logo a frente. Ele terminou o curso de Administração, mas a praia dele mesmo é cantar para encantar essa rua vazia e alaranjada pelo pôr-do-sol.

Se um dia ele fica famoso e "bomba" nas rede sociais, peço o endereço dele só para não ser obrigada a ver e ouvir ele sendo substituído por um pagode mal amado. Dispenso as dores de cotovelo do passado. De dor mesmo, só a de susto com a fatura do cartão.

Apagam-se as luzes e a música para. Cícero deve estar indo visitar Antonella, a menina de sorte. Ele gosta de visitá-la toda Sexta-feira. Mania de músico, sabe? Vai entender. Ela mora no primeiro andar, porque tem pernas cansadas pelas horas excessivas no estúdio de balé que é da mãe. Cícero só não morrer de amor, porque ele vive para ela. Já ela, morre a cada segundo.

A menina de sorte, na verdade tão amada, tem uma doença rara que nem o Dr. Crispim ali da esquina, com jaleco branco e bigode da mesma cor, conseguiu adivinhar. Ele até brinca dizendo que é doença de bailarina esforçada, mas a coisa toda é bem mais trágica do que as músicas que dança parecem soar.

Fico meio triste, afinal, ainda existem histórias de Romeu e Julieta espalhadas por cada canto dessa rua e do mundo. É engraçado como a humanidade tem um gostinho todo especial em complicar histórias de amor. Pra mim, isso já tinha morrido junto o casal apaixonado e tonto da história.

Anos se passaram, a tecnologia vem se inovando cada vez mais e será que ninguém ainda descobriu como se usa esse bendito coração nosso de cada batida? É tanto tapa, batida e surra que o pobre leva, que nem dá pena. Coração burro e sem vergonha apanha mesmo. Então, por que somos nós que carregamos o fardo da dor?

Com toda esse drama Cícero e Antonella digno de se escrever um best seller, ficar famosa, rica e com muitos seguidores no Twitter, confesso que fico meio deprimida. Tudo que tenho a fazer e desviar o olhar, procurando por uma história mais interessante e feliz para contar. Não penso duas vezes e corro com os olhos para o apartamento verde, que fica do lado da quitanda do Alfredo.

Na altura dos meus olhos, me deparo com outra cobertura do oitavo andar e escura. Ninguém em casa. Nada mais interessante que um apartamento vazio e empoeirado para se começar um livro que irá mudar vidas.

Mas, esperem. Uma das luzes se acende e quase coloco as duas pernas para fora da minha janela, como se isso fosse me ajudar a ver e ouvir melhor. Segurando minha curiosidade na garganta, enxergo um rosto familiar com cara de "não sou daqui, mas você também não é". Não sou mesmo, mas isso é outra história.

E ele, bem... vai me render história.

3 comentários:

Denilze França disse...

Ameeeei o texto e a foto, já quero morar nesse lugar hehe ;)
Bjs
http://blogandocomadeni.blogspot.com.br/2013/05/mary-kay-lanca-linha-com-inspiracao-no.html

L disse...

Camba, que texto legal *-*
Adorei mesmo! Gostei muito do teu blog!

xoxo
http://www.florescerefotografar.com/

Unknown disse...

Oi Thais! É claro que eu me lembro de você! Tive que me segurar tanto para não postar as fotos!
Eu tô aqui pensando, gosto tanto de encontrar pela vida pessoas com coisas em comum.. seu blog é um amor e me peguei lendo cada texto seu e eu amo o jeito que você escreve e usa as palavras... queria ter esse dom. Impossível não parar e ficar lendo, Thais. Seu blog é encantador e as fotos são lindas!! continue escrevendo! você vai longe se vc se dedicar! Beijos, Ana
<3

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