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21 de dezembro de 2012

O café


Sabe quando você acorda do lado certo da cama? É quando tudo pode dar errado, mas não dá. Probabilidade de aumento, promoção e convite do vizinho gostosão para um jantar seguido de um beijo de boa noite demorado. Bem demorado. Mas nem tanto, porque ele é egocêntrico demais para uma noite só.
Tudo de maravilhoso pode acontecer quando você acorda desse tal lado certo da cama. Bem, pelo visto, eu só acordei. Com direito a atraso, arranhões da minha gata e queimar a língua em uma caneca de café amargo. Nessas horas, eu deveria ter contrariado os ensinamentos da minha mãe e ter bebido um belo copo de refrigerante.
Quase fui atropelada pensando se deveria voltar para casa. Será que esse tsunami de azar e superstição já estava começando a me afetar? Confesso que quase declarei o fim do mundo, ops de mim. Mas torci o nariz e deixei as poucas gotas de chuva do dia cinzento me acharem.
Lá estava eu. Atrasada para o trabalho.
Ao passar por algumas lojas recém inauguradas, finalmente, cheguei ao prédio bege onde eu trabalhava. Antes de subir as escadas, fiz o sinal da cruz. Vai que a minha crença me salva.
Ou não.
Antes que eu girasse a chave da minha sala, pude ouvir os saltos familiares de sempre batendo em minha direção. Respirei fundo, mas não virei. Esperei pelo tapinha nas costas de sempre.
- Bom dia, Alice! Aconteceu algo errado? - senti a ironia em cada sílaba.
- Dia ruim. Eu acho - soltei um sorriso amarelo, quase sem pensar - nada de sério. Mas bom dia, Agnes!
- Da próxima vez, que seu dia ruim não resulte em atraso - e ao final desta frase, conheci o sorriso nada amigável de Agnes. Nada amigável, porém bem ameaçador. Mais até do que a frase!
Agnes é a coordenadora da instituição em que trabalho.  E antes que vocês fiquem perdidos, sou uma professora. Paciência enorme, salário nem tanto assim. Não importa tanto já que amo meu trabalho! Mas não amo tanto assim minhas contas a serem pagas, então, fica um pouco difícil ser cem por cento prazeroso lidar com crianças e adolescentes mimados. E quase que o tempo todo.
Jamais tinha cogitado a idéia de ser professora antes, mas penso que é uma profissão que funciona quase que como uma doença. Lembro de ter ouvido o Reynaldo Gianecchini dizer que, depois da doença, ele se tornou uma pessoa muito melhor. É exatamente isso! Quando tenho oportunidade, digo: quer se tornar uma pessoa melhor? Vire professor.
O processo de amadurecimento foi imediato. Parte da minha família já afirmava que eu tinha um corpo de dezenove e cabeça de trinta, não descarto o quanto aprendi nesses anos que passaram. Embora eu não tivesse aprendido a ignorar as ironias da Agnes, aprendi a enfrentar filas de banco, estudar durante a madrugada e encontrar lugares de fuga.
Como o Café.
O Café é onde vou sempre que preciso de um tempo para mim. Quando resolvo ignorar os telefonemas dos meus pais e do meu ex. Descobri esse lugar faz três semanas, mas tenho a sensação de que já o frequento a décadas. Mesmo que eu não seja tão velha assim.
Ao fim do meu expediente, desci as escadas quase que em desespero. Andei algumas ruas, pisei em poças e lá estava ele: O Café. A estrutura do local era bem rústica, com quase noventa por cento dos detalhes em madeira e porcelanato. Uma graça!
Ali era o meu lugar.
O sinal para. Eu atravesso e abro a porta do estabelecimento feliz da vida! Mal posso controlar a felicidade, tanto que solto um daqueles sorrisos enormes. Dei "bom dia" ao pessoal do balcão e logo me direcionei para a minha mesa. Chamo de "minha", porque eu sempre me sento nela. 
Aproximando-me da mesa, vi que alguém estava se curvando para ela. Na verdade, limpando-a. Ao lado, notei também um esfregão e um balde azul. Era um cara alto, de cabelos castanho escuro, quase preto e pele translúcida. E camisa... rosa?
- Oi? - disse intrigada.
O som da minha voz fez com que ele se assustasse e virasse lentamente. Quase que em slow motion. E só quando se virou, pude perceber que os olhos dele combinavam com a cor dos cabelos. Rosto de mármore e alguns dos mesmos fios de cabelo caídos sobre a testa, com algumas gotas de suor. Fitei a camisa rosa por alguns segundos breves, até que me deparei com uma plaquinha na direção do coração.
Ele se chamava Bernardo.
- Bom dia! Desculpe-me, mas não pode sentar aqui.
O que? É sério que além de gay, ainda é possessivo? Qual é? Eu preciso da minha mesa. Na verdade, eu preciso de um café, mas eu quero sentar em minha mesa. E o meu ritual de sempre, como fica?
- Desculpe?
- Eu disse que não pode sentar aqui - ele me encarou sem demonstrar nenhuma emoção. Nem pena, nem grosseria.
- Mas é q-que eu s-sempre - gaguejar agora, sério? - s-s-sento aqui.
Ele franziu o cenho e me encarou por breves segundos, também.
- Tudo bem, Senhorita Insistente. Pode aguardar alguns segundos?
É sério que esse gay de camisa rosa desbotada está me chamando de insistente? De chata? Ok, ele não disse chata. Mas aposto que queria. Ou não. Não sei! Tudo que eu queria era uma quase mulher acabando com a minha reputação.
Só depois, vi que os segundos que ele me pediu eram para que ele terminasse de limpar os bancos e a mesa. Fiquei em pé observando-o trabalhar. Admito ter ficado impressionada. Motivo? Nosso querido funcionário gay de camisa rosa desfiada e desbotada, tinha traços de modelo. Até mais bonito que o vizinho gostosão, lembram? Como alguém assim poderia trabalhar aqui? E por que ele era gay? Se minha mãe estivesse aqui com as amigas, soltaria um "Ai, que desperdício".
Em meio a tantos pensamentos embaralhados, o confundi com o cara que estava na capa da Vogue do mês passado. E foi então que minhas perguntas foram interrompidas.
- Voilá! Sua mesa - ele deu um sorriso irônico como se eu fosse a pior pessoa do mundo. O que eu fiz agora?
- Obrigada e me desculpe. Não era minha intenção te apressar, é que...
- Essa mesa é importante pra você?
- É - eu engoli o resto das palavras que eu usaria.
- Sem problemas, Senhorita Educação. Fico feliz em ter ajudado - agora, ele estava mais compreensível.
- Obrigada, Bernardo.
Ele hesitou. Quando agradeci dizendo o nome dele, foi como se eu o tivesse dado a notícia que produtos da Forever 21 estavam em promoção. Imagino que gays fiquem feliz com isso, não? Pois bem, ele sorriu com todos aqueles dentes branquinhos e saiu desacreditando que, pela primeira vez, alguém tinha dito o seu nome.
Como eu disse.

Continua...

22 de janeiro de 2012

22 de Janeiro




Josey sabe que eu detesto festas. Por que eu estou mesmo aqui?

22 de Janeiro, churrasco, céu nublado e calor infernal. Conhecidos, desconhecidos e os famosos “já ouvi falar”. Será que alguém por aqui já ouviu falar de mim? Quem poderia imaginar que em instantes eu teria minha resposta. Bingo!

Não sou muito de festas. Na verdade, trocaria todo aquele som indie e alto por passeios do lado de fora da festa. Além de estar incomodada com os respingos de vodka de alguns conhecidos no meu cabelo, eu estava exausta. Não precisava bancar a blasé para todos entenderem que ali não era o meu lugar.

Finalmente a chuva. Algo de que eu realmente me orgulhe presenciar.

Josey me chamava para dançar com os amigos sempre que me via encarar a porta da saída. Nada contra os musculosos e espontâneos, no momento, banhados pela chuva e esbanjando sex appeal fingido, mas eu era como dizem o “problema”. Insisto em me perguntar: o que eu faço aqui, mesmo?

Enquanto observava Jo e Anne rasgar de maneira absurda a blusa de um tal de Jared, empurrava refrigerante para tentar disfarçar o meu espanto nada transparente. Todos eles se divertindo e tudo em que conseguia pensar era no último capítulo do livro que eu deveria ter terminado.

Quando finalmente resolvi me levantar, o tal Jared – de novo ele – resolveu parar com seu copo meio cheio, meio vazio em frente a porta da saída. Ótimo! Tudo o que eu queria era um metido a gostosão meio bêbado, meio sóbrio atrapalhando a minha fuga.

- Onde pensa que vai? A festa é aqui dentro!

- Pegar um ar – péssima atriz.

- Por que você não vem comigo? Bebe um pouco que, daqui à pouco, a bonequinha vai estar ali se divertindo. Custa nada não!

- Não bebo – franzi o cenho ao mesmo tempo que ironizava o “bonequinha”.

- Olha, só bonequinha careta... ouve o que eu estou dizendo e vem comigo – disse ele, inclinando a cabeça em minha direção. Maldito seja esse bafo!

Salva pelo gongo e por ele, em tempo. Mas, esperem: quem era ele?

- Jared... tem gente ligando para sua bonequinha. Acho que é da casa da avó dela e precisa liberar a moça agora. Tem como?

- Beleza, beleza... volta pra mim depois! – disse isso enquanto beijava um dos músculos.

- Claro, mon amour! – eca, eca, eca e eca!

Segui o desconhecido até o outro lado da rua. Nada prudente, eu sei, mas era melhor do que “papear” com o bêbado gostosão. Ele era bem mais alto que eu e estava fazendo com que eu me sentisse protegida, por mais que não fosse um monstro musculoso.

Ele interrompeu meu silêncio.

- De nada – sorriso irônico detectado.

- Desculpa, mas é que eu não falo muito. Mas nem por isso quer dizer que eu seja ingrata, então, muito obrigada.

Ele me encarou. Eu parei.

- Como eu disse, de nada. Antes que você tenha medo, meu nome é Fred. Não sou nenhum psicopata alcoólatra. Estudo na mesma universidade que Josey, mas não me lembro de você. Estuda com ela?

- Na verdade não. Estudei com ela quando éramos mais novas e, como ela é insistente, acabei vindo parar nesse churrasco que tem tudo a ver comigo – ele notou meu tom irônico. Ótimo.

- Josey é legal. Mas, então... não vai me dizer seu nome “bonequinha”? – ele riu sozinho enquanto arregalei meus olhos tentando achar graça do acontecido.

- Todo mundo me chama de Mel.

- Sinto te desapontar, mas não sou o “todo mundo” que você pensa – ele abaixou a cabeça e riu.

Quando me dei conta, estávamos em um antigo parque perto da festa conversando sobre nossas vidas. Ele não era mais um estranho e eu não era mais motivo de piada por ser a suposta “bonequinha”. Eu já era Mel, dezoito anos, cursando teatro, porém incapaz de enganar à mim mesma. O que me servia de consolo? Segundo ele, ele também não conseguia se enganar.

22 de Janeiro, chuva forte, vestido verde musgo molhado, sapatilhas ensopadas e Fred. Ele se mostrou um ótimo novo amigo. Pelo menos, até o momento em que, pela primeira vez, segurou em minha mão.

25 de dezembro de 2011

Sonho sabor licor




Você trabalha e gosta dos seus cigarros. Sua pele flui aroma de licor, certamente o meu favorito. Sorri com o canto da boca e me derrama em lágrimas com seus olhos tremendamente escuros. Posso mergulhar nestes mesmos até mesmo por fotos. E, antes que eu esqueça, quem me dera se eu fosse tão sua quanto eu sonho com o dia que você vai entrar pela porta da frente, me surpreender na cozinha, me abraçar e me deixar com aquele cheiro de licor, que eu amo.

Você me toma para dançar, como sempre de surpresa. Depois, corre e ri fazendo serenatas pela casa só para ver como o vestido que me deu rodopia acompanhado das notas. Cada nota, um beijo gentil por existir. Que a música nunca acabasse, então.

Todas as manhãs são divinas: eu trançando meu cabelo e pedindo que você não faça a barba. Você gosta de fazer surpresas, não é? Mais uma vez, me surpreende e me levanta com um “eu te amo” e “você e seu jeito que me faz chegar atrasado”. Eu insisto que você corra, mas você insiste em café, em rir com o canto da boca e olhos, em mim...

No sofá florido, você faz aquelas caretas lindas. Eu não faço muito esforço – admito minha falta de beleza – mas você diz que eu sou cega e que talvez tenha exagerado nas doses noite passada. Gosto do seu jeito de contrariar.

Por fim, você põe seus óculos escuros e para na porta com um “mal posso esperar para encontrar você aqui” e eu solto sem pensar “eu mal posso esperar para que você me encontre... aqui”. Ele sorri, beija minha testa enquanto passa a mão em minhas únicas mechas de cabelo soltas e sai. Espero que ele volte. E logo.

Quando me aproximo da varanda, posso vê-lo feliz. Quando acordo, minha mãe me chama para escovar os dentes, tomar café e arrumar a casa.

Súbitamente desejo que a realidade não seja tão amarga quanto o café do meu pai, que o dia não seja stress em gotas e que você me encontre exatamente aqui, em nossa realidade de aroma licor.

10 de outubro de 2011

O relicário

E antes mesmo que eu pudesse me desesperar, no fundo do armário em meio a tanta poeira, eu encontrei uma foto. Uma foto que eu já cogitara a idéia de ter sido perdida. Ela existia e estava bem ali.

Eu a coloquei em minhas mãos com tanta segurança que podia sentir medo escorrendo pela minha testa. Medo de não ter mais nenhuma lembrança intacta e concreta. Foi então que passei minha mão pela foto delicadamente para que pudesse compreender melhor o motivo de tanta alegria e desespero. Lá estava ele, eu e minha única lembrança.

James – eu sussurrei para mim mesma enquanto coloquei a mão sobre a boca juntamente com meu relicário. Com tal ação, pude também sentir uma única e tímida lágrima desobediente descer pelo meu rosto e cair justamente onde James se encontrava na fotografia pouco consumida pelo tempo.

Lá estava eu. Como eu já parecia o amar tanto mesmo tão jovem?

Estávamos em sala de aula. Era festa e eu estava sorridente com meus lindos cachos longos da época. James – sentir sua falta e pronunciar seu nome era quase mortal, sendo mais dramática o possível – usava o nosso antigo uniforme e parecia impecável. Estava perto perto da nossa antiga professora e, tímidamente, me encarava com tanta pureza... Eu não sabia explicar, mas a única coisa que pude lembrar foi do primeiro “eu te amo” que recebi dele. Foi em uma época difícil e aquilo foi tão infeliz.

Uma pessoa te amar é sinônimo de infelicidade?

Ouvi um barulho e decidi ir para um lugar seguro e que não fosse motivo para desconfiança. Guardei a foto no mesmo lugar, por mais que me doesse, fechei a porta e desliguei a luz. Fora, novamente, a última vez que eu vi James. E só eu sei o quanto, pelo menos, eu queria que ele estivesse comigo. Mais exatamente, em meu relicário.

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